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sábado, maio 02, 2009
Dostoievski - Recordações da Casa dos Mortos
"Cachorro muito diferente era Kultiapka. Não saberei dizer por que razão me interessei por ele quando ainda recém-nascido e porque o levei da oficina (onde eu trabalhava e ele nascera) para o presídio. Consolava-me criá-lo e dar-lhe comida. Charik afeiçoou-se logo a ele; dormiam juntos. Quando Kultiapka cresceu, Charik passou-lhe a consentir que ele lhe mordesse a orelha, lhe catasse o pelo e brincasse com ele conforme os cãezinhos gostam de fazer com os grandes. De modo esquisito se desenvolveu Kultiapka: em vez de crescer, ficou comprido largo, com o pelo abundante, cor de rato. Tinha uma orelha para cima, outra para baixo. Era de natureza expansiva e ardente como todos os cães novos que assim que vêem o dono desandam a ladrar, querendo lhe lamber o rosto, e que, ao demonstrar alegria se tornavam muito estabanados. Onde eu estivesse, bastava gritar: Kultiapka! para que saltasse do chão como por milagre, vindo a correr e a ladrar, pulando moitas como uma bola. E eu gostava daquele monstrozinho. Era como se sua missão fosse demonstrar contentamento. Mas um belo dia atraiu a especial atenção do preso Nestroiev, sapateiro de senhoras e curtidor, a quem inspirou logo uma idéia. Chamou Kultiapka, apalpou-lhe a pele e o deitou de costas no chão, como a acariciá-lo. Incapaz de desconfiar, Kultiapka até rosnava de satisfação. Na manhã seguinte sumiu. Levei a procurá-lo demoradamente. Em vão. Teria caído no rio? Duas semanas depois, a coisa se esclareceu: a pele de Kultiapka fascinara Nestroiev; matara-o, esfolara-o e com a pele forrara umas botinas de camurça, encomendadas da mulher do auditor. Ele me mostrou as botinas, depois de prontas; a pele calhara esplendidamente. Pobre Kultiapka!"
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