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quarta-feira, abril 30, 2008

Dostoievski (subsolo)

Numa palavra, o homem está arranjado de modo cômico; em tudo insto, provavelmente está um trocadilho. Mas dois e dois são quatro e, apesar de tudo, algo totalmente insuportável. Dois e dois são quatro constitui, a meu ver, simplesmente uma impertinência. Dois e dois fica feito um peralvilho, atravessado no nosso caminho, com as mãos nas cadeiras, cuspindo. Estou de acordo que dois e dois são cinco também constitui, muitas vezes, uma coisinha muito simpática.

E por que estais convencidos tão firme e solenemente de que é vantajoso para o homem apenas o que é normal e positivo, numa palavra, unicamente a prosperidade? Talvez o homem não ame apenas a prosperidade? Talvez ele ame, na mesma proporção, o sofrimento? Talvez o sofrimento lhe seja exatamente tão vantajoso como a prosperidade? O homem, ás vezes, ama terrivelmente o sofrimento, ama-o até a paixão, isto é um fato. No caso, é inútil recorrer à história universal: interrogai a vós mesmos, se sois homens e vivestes um pouco sequer. E, quanto à minha opinião pessoal, creio que amar apenas a prosperidade e, de certo modo, até indecente. Bem ou mal, quebrar algo é também muito agradável. No caso, não estou propriamente defendendo o sofrimento e tampouco a prosperidade. Defendo... o meu capricho e que ele me seja assegurado, quando necessário. O sofrimento, por exemplo, não é admitido nos vaudevilles, eu sei. No palácio de cristal, ele é simplesmente inconcebível; o sofrimento é dúvida, é negação, e o que vale um palácio de cristal do que se pode duvidar? E, no entanto, estou certo de que o homem nunca se recusará ao sofrimento autêntico, isto é, à destruição e o caos. O sofrimento... mas isto constitui a causa única da consciência. Embora tenha afirmado, no início, que a consciência, a meu ver, é a maior infelicidade para o homem, seu que ele ama e não a trocará por nenhuma outra satisfação. A consciência, por exemplo, está infinitamente acima do dois e dois. Depois do dois e dois, certamente nada mais restará, não só para fazer, mas também para conhecer. Tudo o que será possível, então, será unicamente calar os cinco sentidos e imergir na contemplação. Bem, com a consciência obtém-se o mesmo resultado, isto é, também não haverá nada a fazer; mas pelo menos poderemos espancar a nós mesmos, de vez em quando, e isto, apesar de tudo, infunde ânimo. Ainda que seja retrógrado, é sempre melhor do que nada.

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